Portugal acena ao Brasil com privatizações e reformas
Autor(es): Rodrigo Pedroso | De São Paulo |
Valor Econômico - 07/05/2012 |
O ministro de Negócios Estrangeiros de Portugal, Paulo Portas, quer mudar a imagem de recessão econômica em seu país e convencer os empresários brasileiros que, apesar da queda prevista de 3,3% para o Produto Interno Bruto (PIB) do país este ano, o momento é ideal para se instalar por lá. Em busca de investimentos e da abertura de mercados para empresas portuguesas no Brasil, sobretudo na área de infraestrutura, Portas esteve no Brasil na semana passada. Ele afirma que seu país está fazendo a lição de casa e prevê a retomada da economia nacional a partir de 2013. Para tanto, diz, reformas estruturais para dar mais competitividade a Portugal estão sendo colocadas em prática.
Flexibilização das leis trabalhistas, melhora do sistema judiciário, novas leis de concorrência e um plano de privatizações de setores estratégicos da economia estão no receituário adotado - de forma entusiástica - pelo ministro como forma de reverter o quadro recessivo. "Francamente, não queremos ser como a Grécia", afirmou, em entrevista ao Valor. Para este ano, aeroportos e a companhia aérea TAP deverão passar para as mãos da iniciativa privada. No segundo caso, é "possível e até provável" que haja capital brasileiro na disputa pela companhia, que conta com 74 voos semanais para o Brasil.
Portas conta com o ano de Portugal no Brasil, que será celebrado em 2013, para apresentar uma nova imagem das empresas portuguesas e assim diminuir o déficit na balança comercial com os brasileiros, que no ano passado foi de US$ 1,2 bilhões. "Portugal tem 900 anos de história, e sempre que teve dificuldades nunca foi derrotado ou se rendeu. Temos certeza que vamos passar pela crise." Confira a entrevista ao Valor.
Valor: Como estão as relações comerciais entre Brasil e Portugal?
Portas: O crescimento das relações é extraordinário nos últimos anos. Um dos bons sinais da nossa economia é que, mesmo em meio a uma recessão, as exportações estão crescendo 13% por ano, principalmente para mercados não tradicionais, como o Brasil. As vendas portuguesas no ano passado passaram dos € 600 milhões e nos últimos anos os investimentos brasileiros em Portugal cresceram mais do que nas últimas décadas [nos últimos três anos, a soma dos investimentos foi de mais de € 2 bilhões, montante maior do que nos 30 anos anteriores].
Valor: Há projeção de crescimento desse investimento?
Portas: Sim, pois o Brasil tem perspectivas de crescimento significativas. Há planos de infraestrutura importantes, onde empresas portuguesas possuem muita experiência, além da necessidade de mão de obra qualificada. Se o Brasil tem essa demanda, os dois governos podem trabalhar em conjunto para avançar. Também existem setores com potencial de desenvolvimento das nossas exportações, como o agroalimentar, em vinho e azeite. Temos também empresas já estabelecidas aqui, nas áreas de rodovias, portos e logística, onde vocês precisam de projetos e investimento público. Uma das coisas que o ano de Portugal no Brasil [será comemorado no ano que vem] vai mostrar é um outro lado, de empresas portuguesas modernas e globais, principalmente nas áreas de tecnologia e energia limpa.
Valor: E, do outro lado, quais oportunidades de investimentos existem para as empresas brasileiras em Portugal?
Portas: Um dos pontos principais é mostrar que o país será um bom lugar para investir. Estamos fazendo sacrifícios para acabar com o nosso déficit e diminuir a dívida pública. O Brasil teve um problema parecido há mais de dez anos, aprendeu dolorosamente a corrigir essa rota e hoje é uma das economias emergentes mais sólidas do mundo. É exatamente o que estamos fazendo, e, como sempre aconteceu na nossa história, quando temos uma dificuldade, nos reinventamos. Um ponto importante para isso são as privatizações, que começaram no fim do ano passado. As duas primeiras, no setor elétrico, foram bem sucedidas, conseguiram 60% do total previsto para todas as privatizações.
Valor: Mas como atrair um investidor para uma economia que tem previsão de encolhimento do PIB de 3,3% para este ano?
Portas: Com a única coisa que as empresas acreditam: fatos. A recessão para este ano já estava prevista, e as mesmas agências internacionais que fizeram essa análise estão prevendo uma virada no ciclo de crescimento a partir de 2013. Neste ano estamos fazendo reformas para aproveitar um cenário mais favorável. Além das privatizações, estamos refazendo a legislação trabalhista. A reforma que está sendo feita em Portugal será a mais avançada da Europa. Segunda coisa: reforma da justiça econômica. Em geral, fala-se muito mais da penal do que da cível. Mas para a economia o que conta é a cível. Você precisa de um ambiente de segurança jurídica, onde você sabe que o governo respeita as regras, que não expropria e nacionaliza empresas da noite para o dia. Nós queremos uma imagem de um país amigo do investidor. Outro ponto importante é a reforma da previdência social, que está insustentável do jeito que está. Queremos reforma da concorrência também. Não queremos protecionismo para quem já está no mercado. Quem quiser entrar pode fazer isso sem impedimento para haver mais concorrência. Todas essas reformas saem neste ano. As pessoas precisam perceber que Portugal é um caso diferente de Espanha, Irlanda e Grécia.
Valor: E porque elas acreditariam nisso, já que o país também passa por problemas de déficit público e endividamento?
Portas: Primeiro, que Portugal tem um governo estável por quatro anos e meio. Nem todos podem dizer isso. Segundo, apesar da recessão, temos um pacto social. Governo, empresários e sindicatos fizeram um acordo social, como a reforma trabalhista. E isso é muito importante, pois revela coesão. Depois, o governo português tomou uma decisão clara, de fazer acordo com o FMI e cumprir as metas e o calendário para o pagamento da dívida, para reestabelecer o financiamento da economia. Portanto, a atitude de Portugal é muito diferente da de outros países da União Europeia. Portugal tem 900 anos de história, e sempre que teve dificuldades nunca foi derrotado ou se rendeu. Temos certeza que vamos passar pela crise. Temos limitações em relação à política fiscal, por causa do acordo realizado com a União Europeia. Mas há uma exceção. Nossa agência de captação de investimentos estrangeiros tem incentivos financeiros e fiscais de até 30% do que foi investido, trazendo competitividade.
Valor: O desemprego em Portugal bateu 15% em fevereiro. Alguns economistas dizem que quanto mais se esfria uma economia, mais difícil recuperar depois. Qual o plano do governo para sair da crise?
Portas: Não tenho dúvidas de que o clima vai mudar no ano que vem. Quem aguentar esse momento difícil vai navegar mais depressa quando o vento virar. Por isso as reformas. A Europa descobriu que para ter a mesma moeda precisa ter políticas econômicas coordenadas. E o que os tratados de estabilidade e de coordenação trazem é o princípio de responsabilidade financeira, que é uma condição de saúde na economia. O vento vai mudar e há países em dificuldades que fizeram a lição de casa, e aqueles que não fizeram. Quem fizer primeiro apanha o melhor lugar. Falando francamente, não queremos ser uma Grécia.]
Valor: O que levou Portugal à crise?
Portas: Excesso de dívida e de déficit, e falta de reformas estruturais. Estamos tirando lições disso. Partimos de um déficit orçamentário de 10% do PIB e vamos terminar este ano em 4,6%. É muito perigoso chegar a uma dívida de 100% do PIB e Portugal deixou sua dívida ultrapassar esse limite.
Valor: E como vocês chegaram a esse ponto?
Portas: Isso foi se desenrolando na última década. Mas não quero comentar a política interna portuguesa.
Valor: A balança comercial brasileira foi superavitária com Portugal em US$ 1,2 bilhão no ano passado, com venda mais concentrada em commodities. Os três primeiros meses do ano mostram a mesma tendência para 2012. Portugal pretende reequilibrar o comércio?
Portas: O Brasil tem uma escala continental, é normal haver certo desequilíbrio. A nossa intenção é corrigir um pouco isso. Se houver um clima bom entre os dois governos, com regras simples e fáceis para todos, haverá uma avenida de crescimento para o comércio bilateral, diminuindo essa diferença.
Valor: Você disse que alguns setores serão privatizados. Há espaço para o capital brasileiro nisso?
Portas: É muito possível que isso aconteça. Houve interesse na área de eletricidade, mas não chegou a concretizar-se. O processo de privatização em Portugal nos próximos anos vai abranger áreas tão diferentes quanto aeroportos, companhias aéreas, correios e ferrovias. A TAP, que está nesse plano, é uma companhia muito importante na integração entre os dois países, com 74 voos por semana. Acho possível e até provável que haja investidores brasileiros interessados na privatização dela. Queremos que nossas privatizações sejam um modelo de sucesso.
Valor: Há um prazo definido para isso acontecer?
Portas: Estamos terminando os estudos para fazer aeroportos e a TAP, em dois processos separados. Eles devem sair até o fim do ano.
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